domingo, 20 de fevereiro de 2011

Cinzel e martelo



Meu jovem pai (sim jovem, completou 50 anos há pouco) sempre repete um pensamento do qual gosto muito: a tecnologia nos dá apenas ferramentas, nós que precisamos saber como usá-las. A ideia é a seguinte, ele diz. Michelangelo fez a perfeita estátua de Davi usando cinzel e martelo.

Eis a questão que me atormenta. Cansamos de ver (ler e ouvir) notícias de que um novo equipamento, a TV 3D, uma câmera que faz tudo sozinha - como identificar convidados e fotografá-los em uma festa, um novo software que permite novas alterações em imagens, etc, etc, etc vão ocupar o lugar das pessoas em funções criativas, ou melhor, que qualquer um poderá exercê-las. Me desculpem os apocalípticos, até porque não sou da seara dos integrados, mas não é bem assim que a banda toca.

A cada dia vejo mais coisa mal feita com alta tecnologia. Filmes que desperdiçam milhões e milhões para resultados medíocres. Cartazes, folders e revistas diagramados porcamente em softwares avançados. Músicas indescritíveis de tão ruins que usaram o que há de melhor em estúdios para serem gravadas. E, principalmente, péssimos produtos feitos por gente que têm acesso a estes instrumentos, mas não têm a capacidade de criar.

O que digo aqui não é novo e não tenho a pretensão de dizer que trago uma luz sobre algo que estava escondido. Sei que há muitos bons pensadores sobre o mundo contemporâneo (sou só uma pitaqueira) que já expressaram isso aqui muito melhor que eu. Mas como disse no começo, são discursos que me atormentam.

Quando vejo alguns temerem a desvalorização das profissões criativas (diretores de arte, fotógrafos e cineastas, por exemplo) com a popularização de acesso às ferramentas para execução destes produtos, lembro sempre que Final Cut, Photoshop, In Design, 3D Studio Max, câmera HD... Tudo isso é cinzel e martelo. E são poucos aqueles que podem ter a honra de varrer a poeira de mármore num galpão onde trabalha Michelangelo.

Há cada vez mais gente que oferece serviços de comunicação, só pra falar da minha área, porque tem os equipamentos certos, mas que entrega produtos que são de chorar. Tenho visto cada vídeo institucional por aí que só lamentando. Não é porque você tem uma câmera na mão e uma ideia na cabeça que se tornou Glauber Rocha (e olha que eu não sou fã dele).

Sobre a desvalorização do mercado, que está de assustar, eu deixo pra dar um pitaco depois.

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