O menino está entretido no seu brincar e ouve o pedido do adulto "me dê um abraço". Manhoso, responde um não cheio de dengo, vira as costas e corre. O adulto, com toda a sua infantilidade diz por entre os dentes "foda-se".
Não era a primeira vez que a cena acontecia, mas aquela despertou um incômodo grande. E eu fui em defesa da criança dizendo que não era certo falar daquele jeito. "Eu só estava brincando", defendeu-se logo. Claro que não estava. Aquilo era uma agressão.
A cena foi ruminada na minha mente até chegar na minha criança e em outros foda-se que recebi. "Não quer me dar abraço? Deixe estar quando quiser alguma coisa de mim." Seguido de muitos "não fez mais do que a obrigação". E muitas coisas fizeram sentido.
No começo da pandemia, lendo Marshall Rosemberg e seus princípios da comunicação não-violenta, encontrei uma frase que mexeu comigo. Conversando com o filho de 3 anos ele disse: "eu amo você porque você é você". Era exatamente isso.
Eu tenho marcado à ferro a ideia de que o amor depende de atos, que somos amados por aquilo que fazemos a alguém. Se não fazemos, foda-se.
Aquele desprezo recebido sempre que eu não atendia às expectativas me levou a uma prisão na qual precisava repetidamente agradar para mimetizar um amor. Mas aquilo não é amor.
Amor é o que sentimos por alguém pela sua existência, presente ou ausente. Amar você porque você é você.
Talvez essa seja a chave para eu me libertar desse cárcere em que doar era a única forma que me trazia uma sensação de bem-querer, um afeto no balcão de trocas. Mas essas migalhas não me nutrem mais.